Aquela velha máxima de Henry Ford de que “o cliente pode ter o carro da cor que quiser, desde que seja preto” parece perder espaço no mercado automotivo. A mudança de comportamento do consumidor de carros, agora mais criterioso e mais conectado, exigiu uma verdadeira guinada do segmento em direção à tão falada experiência do usuário.
E parece que as montadoras são as primeiras a começarem a acordar para essa necessidade. O que é bom um sinal, considerando que, no ano passado, um estudo da JD Power mostrou que as fabricantes oferecem uma experiência digital nada agradável para o usuário brasileiro.
Desde 2018, pelo menos três das montadoras que compõem o top cinco de vendas no Brasil começaram a anunciar medidas que tiram o foco apenas da produção e comercialização dos carros.
Uma delas é a Fiat que, no começo de março, lançou em Genebra o conceito Centoventi. Carregando o peso de celebrar os 120 anos da marca italiana, o carro tem uma proposta Lego: pode ser montado e remontado de acordo com o que o dono desejar.
Além disso, a Renault acabou de anunciar a experimentação de uma nova modalidade de test drive no mercado brasileiro: o test drive delivery. Feito em parceria com a Rappi, a proposta é levar o carro até o consumidor na hora que ele desejar.
Outro caso é o da Volkswagen que, no final de 2018, também anunciou que pretende transformar 100 lojas da rede em concessionárias digitais até dezembro de 2019. Esses pontos de revenda utilizarão realidade virtual para melhorar a interação com os veículos.
São três exemplos de que é possível partir do problema do usuário para pensar o produto e o serviço no setor automotivo. Isso não apenas significa uma adequação às necessidades do consumidor de hoje, mas também às das próximas gerações, que pensa menos no carro e mais na mobilidade.
Você pode pensar: esses são casos de grandes montadoras. Pensar a experiência do usuário não é uma preocupação para as concessionárias.
Não se engane! Por estarem na ponta da rede, em contato direto com o consumidor, é das concessionárias a obrigação de garantir a melhor experiência possível.
Mas o que esse termo tão abstrato — experiência do usuário — realmente quer dizer quanto aos negócios no setor automotivo? Será que você consegue aplicar algum dos ensinamentos das grandes montadoras na sua loja?
Vamos mostrar que sim! Antes, porém, uma pequena pausa para um conceito…
Conteúdo
O que é a experiência do usuário?
A experiência do usuário, também conhecida como User Experience (UX), é um conceito popularizado no âmbito da programação durante a década de 1990. Na época, pesquisas realizadas na Xerox e na Apple tentavam analisar a relação entre humanos e computadores.
Com o impacto da internet nos outros segmentos de negócios, o termo se popularizou e agora é visto como a prática de trazer o usuário para o centro dos negócios, conciliando seus anseios, necessidades e satisfação com os objetivos do produto.
Ou seja: se, na época de Ford era o produto que ditava o consumo, temos uma inversão. Agora, o consumo determina o quê, quando e como os produtos e serviços são oferecidos.
Isso não quer dizer que o carro vai morrer, mas que é preciso repensar a forma de oferecê-lo. E já existem alguns indicativos que mostram a necessidade de pensar a experiência no setor automotivo.
Por que investir em experiência do usuário?
Olhar para as necessidades do consumidor é uma estratégia que o mercado automotivo precisa adotar se deseja permanecer relevante para os novos consumidores, principalmente os millennials e centennials, nascidos a partir da década de 1980 e que já são grande parcela do público das marcas de automóveis.
De acordo com a Pew New Research, classificar a população por gerações é a melhor forma de identificar mudanças de comportamento e valores. Isso se torna ainda mais fácil quando pensamos em millenials e centennials, que nasceram após o boom da internet.
O valor de um carro não é para centennials e millennials o mesmo que representava para os pais deles, por exemplo. As novas gerações estão muito mais ligadas na possibilidade de se locomover com o menor incômodo e custo possíveis.
Isso se reflete no boom dos aplicativos de compartilhamento de veículos e caronas nos últimos anos. De acordo com a pesquisa Perfil socioeconômico dos usuários da Uber e fatores relevantes que influenciam a avaliação desse serviço no Brasil, de 2017, em Recife (PE), 39,8% dos usuários do aplicativo têm entre 16 e 26 anos. Eles representam a maior parte dos usuários do aplicativo.
Com a mudança no padrão de consumo destas novas gerações, a chance de vender um produto é menor do que vender um serviço.
Porém, essa chance ainda existe, e é nisso que grandes montadoras, como Fiat, Renault e Volkswagen, têm apostado.
O que Fiat, Renault e Volkswagen ensinam sobre experiência do usuário?
1. Fiat Centoventi: recriando o carro
Lançado na primeira quinzena de março, no Salão de Genebra, o conceito Centoventi traz motor elétrico com autonomia que varia de 100 a 500 km.
A ideia é de que o veículo venha, de fábrica, com uma bateria capaz de rodar até 100 km, mas o proprietário pode adquirir ou alugar outras três baterias que serão instaladas abaixo do assoalho do automóvel. Uma quarta bateria pode ser instalada debaixo do assento e permite que ela seja desconectada e carregada como uma bateria de uma bicicleta elétrica, em uma tomada de casa ou da garagem. Ou seja, de acordo com a necessidade do motorista.
Em 2018, Antonio Filosa, presidente da FCA para América Latina, já de olho na nova geração de consumidores, crucial para o presente e futuro do segmento automotivo, chegou a dizer que os veículos do grupo “devem ser lindos e modernos, como smartphones sobre rodas”.
E é nesta parte que o modelo promete inovar de verdade. A fabricante divulga que o modelo terá um interior totalmente reconfigurável. Diversas partes do veículo foram criadas com o conceito plug and play. O painel terá aberturas que possibilitam o encaixe de acessórios de acordo com o gosto de quem o monta. Será como brincar de Lego.
A Fiat divulga que o modelo será produzido em cor única, metalizada, mas que a combinação de tetos, para-choques e envelopamentos externos poderão tornar cada carro exclusivo. E o nível de personalização também influencia no tipo de carroceria. É possível tornar o modelo um conversível ou mesmo um furgão, o que garante ao Uno com escada no teto a continuidade do seu legado!
Ainda é cedo para dizer se o novo Fiat vai pegar, até porque não há previsão de que ele seja lançado no mercado brasileiro. Porém, a marca italiana inova ao partir da premissa de que customização e autonomia são palavras-chave para compreender o consumidor de hoje.
É preciso oferecer ao usuário a possibilidade de construir um caro que realmente seja a sua cara — e não o retrato de um público-alvo massificado, que apenas aceita o que lhe foi atribuído.
2. Renault: facilitando o test drive
Os aplicativos de compartilhamento não são inimigos do setor automotivo, pelo contrário. Negócios tradicionais como os do setor automotivo podem aproveitar as inovações de startups para melhorarem seus próprios processos. É o que a Renault pretende fazer com o test drive.
Em março, a fabricante francesa fechou parceria com a startup colombiana Rappi para oferecer um serviço de test drive delivery. Dentro do aplicativo da Rappi, o usuário pode solicitar a entrega do veículo para fazer o teste. Por enquanto, o serviço só está sendo oferecido para os modelos Kwid e Captur e entregue por duas concessionárias de São Paulo.
Apesar de recente, a ideia tem grande chance de gerar interesse dada a sua importância para a jornada de compra. Hoje, pelo menos 60% dos consumidores ainda faz pelo menos um test drive antes de comprar um veículo, segundo a Google.
Para as concessionárias, fica a dica: é preciso criar processos bem articulados para que o test drive se torne algo acessível, e não um processo burocrático.
3. Volkswagen: a nova concessionária
Por fim, temos a decisão de duas grandes montadoras, Fiat e Volkswagen, de repensar a função e a organização da rede de distribuição. Ambas lançaram conceitos de “concessionárias digitais” ao final de 2018, com promessas de expansão da ideia em todo o país até o final deste ano.
Mas o que esse novo conceito propõe? Pensar a concessionária a partir das novas tecnologias, usando totens e realidade virtual para melhorar a experiência do usuário na loja.
Aqui no Blog da AutoForce, já apontamos algumas questões sobre o modelo de concessionária digital proposto pelas montadoras. Em ambos os casos, há um foco sobre a experiência na loja e não na experiência on-line, onde geralmente o consumidor começa a procurar um veículo. Exploramos mais o assunto neste outro post.
Ainda assim, a decisão das fabricantes pode ser considerada um avanço, pois ambas perceberam que as novas tecnologias são extremamente necessárias para criar uma experiência de compra integrada para o usuário.
Conclusão
Grande parte do mercado já compreendeu a mentalidade dos novos consumidores, que procuram mais do que o produto em si. Millennials e Centennials querem uma experiência única ou algo que possa servir para a resolução, de maneira simples e rápida, dos problemas cotidianos.
E é isso que as apostas das montadoras que citamos aqui proporcionam. Com o Centoventi, por exemplo, além da tendência da eletrificação, oferece-se a experiência ao usuário de montar um carro do jeito que ele desejar.
Se vai dar certo? Não podemos dizer com precisão. Também não podemos dar certeza do sucesso das mudanças que Renault e Volkswagen também estão promovendo. Mas é fato que essas transformações refletem algo muito maior que está acontecendo no setor automotivo. É mudar ou morrer.
E você, concorda que as novidades dessas montadoras estão realmente melhorando a experiência do usuário? Deixe sua opinião aqui nos comentários!
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